– Ganhei! Uhu! Finalmente venci você, Heitor – disse Pedro, eufórico.
O Heitor foi dormir na casa do Pedro e fizeram um campeonato de video game. O Heitor era muito bom e havia vencido praticamente todas as partidas; por isso, Pedro comemorou tanto.
– Vamos fazer um lanche, amigão – convidou Pedro.
Mas o Heitor estava muito contrariado. Os olhos estavam fixos na tela da televisão.
– Vamos jogar mais uma partida – sugeriu sem tirar os olhos da tela.
– Ah, Heitor, relaxe! É só uma brincadeira, um jogo. Vamos lanchar. Se você quiser, não conto para ninguém que você perdeu.
O rosto do Heitor se contraiu:
– Perder? Eu deixei você ganhar. Eu… Eu… Eu não perco nunca!
Pedro entendeu o tamanho da contrariedade do amigo. Nos últimos tempos, Heitor estava assim: competitivo e não aceitava perder de jeito nenhum.
Na escola, ele queria ser o primeiro a terminar de copiar, queria ser o primeiro a entregar o trabalho, a melhor redação tinha que ser a dele.
Mas a pior parte era jogar futebol com o Heitor. Ninguém podia perder um pênalti ou errar um gol. Se o goleiro perdesse um golzinho que fosse, ele não perdoava:
– É isso que dá jogar com amadores – dizia e saía chutando o vento.
Pedro tentou dar uma lição:
– Perder sim! Ninguém é bom em tudo o tempo todo, Heitor.
Mas o amigo, antes bem-humorado e brincalhão, decretou:
– Vamos dormir. Estou sem fome.
Pedro queria ajudar o amigo a entender como toda aquela competitividade estava atrapalhando o relacionamento dele com todos.
O tempo foi passando e o verbo “perder” fazia o Heitor sair do sério.
– Você perdeu a hora, filho – e ele esbravejava com a mãe.
Se alguém dissesse “Ora, Heitor! Você tem perdido a paciência com muita facilidade”, ouvia poucas e boas.
– Filhão, você perdeu a chave de casa outra vez?…
Bom, com o pai, Heitor pegava leve.
Tudo começou a mudar em uma tarde chuvosa. Heitor olhava pela janela, chateado por não poder sair para brincar. Seu pai convidou:
– Que tal uma partida de dominó?
– Opa! É comigo mesmo – Heitor pulou do sofá.
Ora Heitor ganhava uma partida, ora perdia. Mas, de repente, o pai começou a vencer todas.
– Ah, pai! O que o senhor está fazendo é covardia.
O pai do Heitor sorriu mostrando os enormes dentes brancos.
– Você diz isso porque está perdendo. Mas, se estivesse ganhando, não iria achar nada injusto um jovenzinho vencendo disparado de um velho jogador.
– Perdendo! Que insistência! –Heitor estava com os punhos cerrados, olhos cheios de lágrimas.
O sábio pai de Heitor o puxou pelo braço e deu um abraço apertado no filho. O menino chorou.
– Olha só! Sou muito mais experiente. Jogo esse jogo há muito mais tempo e queria ensinar uma coisa para você: quando a gente vive como se tudo fosse uma gincana, por mais que se vença, a gente sempre perde.
Heitor enxugou os olhos:
– Como assim? Ganhar é sempre bom!
– É verdade! A sensação de vencer é sempre boa. Mas, entre vitórias e derrotas, a gente faz muita coisa interessante, além de jogar. Você é um campeão, meu filho. Mas tem perdido muito.
– Papai, eu não perdi nada. A não ser essas partidas de dominó com o senhor.
– Sim, você está pensando nos jogos. Mas eu estou falando de outra coisa. Estou falando de tempo com os amigos, de jogar futebol no campinho sem compromisso com a vitória. Você está entendendo, filho? Você tem vencido muitas partidas, tem sido o primeiro em muitas coisas. Mas, no intervalo, você tem perdido.
O menino baixou os olhos, dizendo:
– É verdade!
– Campeão nem sempre é aquele que vence. O vitorioso mesmo é aquele que joga com alegria – arrematou o pai.
Como um raio, Heitor já estava de chuteiras. Beijou o rosto do pai e gritou do portão:
– Obrigado, papai! Vou aproveitar que a chuva passou e tentar consertar as coisas.
Já estava quase escurecendo quando o pai do Heitor teve que ir ao campinho. Olhando de longe, viu seu filho campeão, correndo pra lá e pra cá, sorrindo e se divertindo.
– Heitooooor! Hora de ir pra casa!
O garoto veio gargalhando, todo suado.
– Sua mãe está preocupada. Você perdeu a hora?
O Heitor sorriu:
– Sim, papai! Mas só perdi a hora! Ganhei um fim de tarde inteiro cheio de risos e diversão.
Pai e filho saíram de mãos dadas, vitoriosos.
Texto: Vanessa Meira
Ilustração: Ilustra Cartoon