Tudo novo

Eu não estava muito animado com o início das aulas. Mas “é a construção do seu futuro”, como sempre diz minha mãe. Quando entrei na sala, os amigos do ano passado vieram me cumprimentar e percebi que não havia muitos alunos novos. Sentei-me na última carteira, encostado na janela como sempre,  pois como nunca entendia direito o que a professora falava, pelo menos observava o movimento na escola.

– Bom-dia! Eu sou a professora Clara e prometo a vocês: este ano será incrível!

Era a professora nova. Ela escreveu seu nome no quadro, pediu silêncio, lemos uma história… No intervalo, sentei-me no mesmo banco e, por incrível que pareça, até meu lanche era o mesmo. Estava tudo igualzinho… Até fazermos a primeira prova.

– Júlio, venha pegar sua prova.

– Uau! Tirei um 6! É quase a média!

Saí comemorando e a professora ficou confusa. Meus colegas riram e ouvi alguém dizer:

– Ah! O Julinho é assim mesmo, professora. Nunca consegue boas notas. Ele já está acostumado.

Mas a professora não estava acostumada a dar notas baixas. Durante a aula, ela olhava para mim e, no fim,  me chamou pra conversar.

– Ô, Julinho, você ficou feliz com um 6?

– Claro, professora.  Eu só tiro 2, 3… Tirar um 6 foi a glória! Se continuar assim, não terei de fazer recuperação de nenhuma matéria.

A professora me olhava com uma cara de quem não estava entendendo nada.

– Julinho… Você conhece a história de Davi?

– Humm… Aquele da harpa, do gigante… Conheço…

– Esse mesmo! Davi era o filho mais novo de Jessé. Cuidava de ovelhas, um serviço humilde. Ele tinha irmãos altos, fortes e bonitos… Mas Deus escolheu Davi para ser o rei de Israel. E ele não decepcionou, pois acreditava que, embora não fosse o mais atraente, Deus estaria com ele.

– Sei… E onde o meu 6 entra na história?

– Pense bem… Samuel mandou chamar o filho mais novo de Jessé e apareceu um menino magrelo com cheiro de ovelha. Isso lá é aparência de rei?

– Aposto que alguém riu dele.

– Sim! Como riram do seu 6. Julinho, ninguém acreditava que aquele menino poderia matar um gigante, ser um grande rei… Mas Davi surpreendeu a todos e você pode fazer o mesmo.

– Ah… Acho mais fácil matar um gigante. Não consigo me concentrar. Quando vejo, o pensamento está longe e já perdi a explicação.

– Imagine-se surpreendendo a todos. Tirando uma nota acima da média. Pense na sensação…

– Ia ser demais!

– Então. Vamos combinar uma coisa? Sempre que eu for explicar algo importante, vou olhar para você. Se você não estiver prestando atenção, vou bater duas palmas. É o nosso código.

– É… Acho que podemos tentar.

– Só mais uma coisa: Em casa, você vai ler toda a matéria com calma, repassando o que estudamos.

– Ler tudo?

Pensei no sacrifício de ler toda a matéria, todos os dias. Pensei numa boa nota. Imaginei meus amigos ao verem  o “Julinho ter tirado uma nota acima da média”. Ah! Devia valer a pena.

Depois daquele dia mudei de lugar. A professora me colocou na primeira carteira .  Mas, mesmo assim, conseguia me distrair. Então, ouvia duas palmas e me lembrava do trato . Ela olhava pra mim, sorrindo.

Semanas depois, veio a primeira prova de matemática. Eu estava aterrorizado. “Se o Julinho não recuperar a nota de matemática, ele vai reprovar.” Eu já tinha ouvido essa frase algumas vezes. Concentrei-me. Ouvia as palmas da professora na minha mente e me lembrava das explicações. Eu estava impaciente. Fechei meus olhos e orei:

“Senhor, ajuda-me a surpreender meus amigos, minha família, minha professora e a mim mesmo.
Dá-me a coragem de Davi. Essa prova de matemática é o meu gigante de hoje e preciso vencê-lo.”

Dois dias depois, a professora levou as provas corrigidas. Quando ela me chamou, parecia que eu estava flutuando. Fui até à mesa dela, anestesiado.

– Muito bem, Julinho! – ela disse sem me entregar a prova.

– Eu tirei 10, professora?

– Não. Mas você tirou um belo 9. E sabe o que mais? A última questão estava muito difícil. Só você e a Helena acertaram. Isso não é maravilhoso?

Um 10 seria muito mais legal, não é?  Mas naquele momento percebi que só podemos vencer nossos “gigantes” com a ajuda de Deus. Saí correndo pela sala, comemorando. E, na hora do intervalo, resolvi sentar junto com a Helena. Trocamos nossos lanches. Tenho certeza que, daqui pra frente, nada será como antes.

Vanessa Raquel