Tochas da Avenida Brasil

Tive uma ideia! Eu já tinha visto isso em algum lugar e achei o máximo. O próximo passo seria convocar meus amigos de sempre: o Marcelo, de cabelo liso, o magrelo da turma. Também o chamávamos de Chinelo de Dedo (faz tanto tempo que nem me lembro por que motivo); e o Rodrigo, o mais tranquilo de nós (até perder a calma. Aí, ninguém segurava). Às vezes, a gente o chamava de Gordo, apesar de ele não ser gordo. Nossa turma era inseparável. Topávamos tudo, ou quase. Na maioria das vezes sem contar aos nossos pais.

Mas… dessa vez ia ser diferente. O plano era ousado, perigoso, do jeitinho que a gente gostava.

Marcamos de nos encontrar na escola abandonada para eu contar aos meninos o plano e o que precisaríamos para a missão. Lá pelas quatro da tarde, chegamos em nossa sala de reuniões improvisada, com as antigas carteiras em uma das salas de aula. Comecei a explicar a ideia de nossa nova aventura. Falei que precisaríamos de álcool, fósforo, pedaços de tecido e um cabo de vassoura. Marcelo vibrou com a ideia. Rodrigo achou que não era uma boa ideia mas acabou topando. Dividimos o que cada um deveria levar e marcamos de nos encontrar à noitinha na esquina da Rua São Paulo com a Avenida Brasil.

Logo cheguei no ponto de encontro. Dei uma olhada e estava tudo calmo. O Marcelo chegou com o álcool e, em seguida, o Rodrigo, com o cabo de vassoura e o tecido. Pronto! Era só pôr o plano em prática.

A Avenida Brasil era cheia de palmeiras no canteiro central. Elas dividiam as duas pistas que tinham pouco movimento. Com o tempo, as palmeiras ficavam com suas enormes folhas velhas e, antes de cair, elas ficavam presas por vários dias, secando aos poucos. O que íamos fazer era colocar fogo em todas as palmeiras da avenida, transformando-as em grandes tochas.

Colocamos álcool no tecido que prendemos no cabo de vassoura. Assim, ficaria mais fácil alcançar as folhas secas. Fomos na primeira palmeira. A sensação de perigo enchia nosso coração de medo. Olhamos em volta, e colocamos fogo na primeira folha, que logo incendiou toda a palmeira. Fomos até a segunda árvore e fizemos a mesma coisa, repetindo a operação em mais quatro ou cinco palmeiras. Quando nos preparávamos para colocar fogo em mais uma, um morador nos viu pela janela da casa e gritou conosco, ameaçando contar aos nossos pais. Com certeza, ele não nos conhecia, mas precisávamos fugir dali rapidamente. Saímos em disparada para pegar o álcool e o restante de tecido, que tinham ficado perto da primeira palmeira, no começo da avenida para depois pegarmos as bicicletas escondidas na esquina.

Passamos pelas palmeiras em chamas, admirando nossa obra e correndo para a escapada triunfal. Eu ia por último, dando cobertura para os meninos. Vi quando o Rodrigo pegou o tecido e foi em direção às bicicletas. Olhei para trás e vi três pessoas saindo de suas casas, correndo para nos pegar. Olhei novamente para checar se o Marcelo já estava na bicicleta dele, quando vi uma das folhas da palmeira em chamas despencando e caindo exatamente onde ele estava com o frasco de álcool. A folha em chamas caiu sobre suas costas, derrubando o álcool de sua mão. As chamas alcançaram o álcool que explodiu, formando uma bola de fogo. Rodrigo voltou em direção às chamas. Eu cheguei ao mesmo tempo, não acreditando no que via. A essa altura, estávamos desesperados. Os moradores também viram tudo e se apressaram ainda mais em nos alcançar.

Em pouco tempo, o local estava tomado por bombeiros, uma ambulância e muitos curiosos. Rodrigo e eu olhávamos para o Marcelo na maca da ambulância sem saber o que pensar. Eu me sentia extremamente culpado por tudo e por não ter podido proteger meus amigos. Vimos a ambulância levando o Marcelo para o hospital. Voltamos para casa com nossos pais, que tinham sido chamados.

Naquela noite, depois de levar uma bronca enorme dos meus pais e saber que estaria de castigo pelo resto da vida, depois de me arrepender e confessar todas as vezes em que os desobedeci indo a lugares perigosos e fazendo coisas estúpidas que colocaram meus amigos e a mim mesmo em perigo, comecei a pensar no Marcelo. Ficava pensando na folha em chamas caindo sobre ele e no álcool pegando fogo. Entendi da forma mais difícil que amigos protegem amigos e nunca os coloca em perigo. Amigos de verdade são também amigos dos pais e não escondem o que fazem, traindo a confiança deles.

Agora, Marcelo está bem; ou quase. Quando a folha caiu em suas costas derrubando o álcool, ele correu escapando da explosão, mas sofreu queimaduras nas costas. Poderia ter sido pior, bem pior. Poderia ter sido fatal. Marcelo, Rodrigo e eu ainda somos amigos. De vez em quando, vemos as cicatrizes nas costas do Marcelo. Elas não doem mais, mas servem para nos lembrar de que mesmo quando crianças somos responsáveis pelo que fazemos, e existem consequências para nossos atos.

Nunca mais tramamos coisas erradas e muito menos perigosas. Quando relembramos aquela noite, Rodrigo ainda exclama:

– Eu avisei que não era uma boa ideia! Lembram?!

Aí concordamos plenamente com ele.

Texto: Flávio Oak
Ilustração: Ilustra Cartoon