A pequena Kátia, de seis anos, esperava ansiosa pelo almoço de todos os domingos. Era nesse dia que o tio Bernardo almoçava com a família e trazia algumas moedas para Kátia e sua irmãzinha Ana, de três anos. Com o valor em dinheiro entregue pelo tio, as duas sempre compravam os doces de que mais gostavam e se deliciavam com as guloseimas no restante do dia.
Por isso, Kátia se preparou para dormir cedo no sábado à noite. Ela fez oração com a irmãzinha e foi se deitar, mas não conseguia pegar no sono. Na mente, ela contava carneirinhos, vaquinhas, zebrinhas e todos os bichos que tinha visto uma semana antes no zoológico, mas contar animais não estava adiantando. Parecia que tudo espantava ainda mais o sono. Depois de quase uma hora tentando dormir, ela desistiu de pensar em bichinhos e começou a pensar no dia seguinte.
Ela imaginava o tio Bernardo descendo do carro, caminhando em direção à porta de casa e lhe dando um abraço bem apertado enquanto perguntava como havia sido a semana de aulas. Kátia até já sabia o que dizer. Ela contaria a respeito das brincadeiras do recreio, do joelho ralado por causa de uma dessas brincadeiras e dos parabéns que havia recebido da professora por se destacar nas aulas de matemática. Justamente naquela semana, a professora havia utilizado moedas para ensinar os alunos a somar. Enquanto lembrava das aulas, um pensamento diferente tomou conta dela.
– E se, depois que o tio dividisse as moedas entre a gente, eu trocasse algumas delas com a Ana? É. Seria fácil trocar uma das minhas moedas de cinco centavos por uma de dez da Aninha, por exemplo. É só eu mostrar para ela que a de cinco é maior que a de dez e, dependendo da situação da moeda, até mais bonita. Ela vai cair direitinho.
Enquanto pensava, um sorriso maldoso apareceu em seus lábios. Tudo indicava que as compras de doces naquela semana seriam bem caprichadas.
No domingo, tudo aconteceu de acordo com os planos de Kátia. Depois que o tio Bernardo entregou as moedas, ela chamou a irmãzinha para o quarto e começou a negociar as de tamanho maior e de cores mais brilhantes. Quando acabaram as trocas, o valor que Kátia possuía em moedas era três vezes maior que o de Ana.
Na mesma tarde, a mamãe foi à padaria comprar alguns pães e levou as garotas.
– Quero tudo isso aqui em balas – pediu a pequena Ana, enquanto entregava as moedas à atendente.
A mulher contou o dinheiro e, logo, Ana segurava um pacotinho com as balas que havia pedido. Normalmente, o pacote vinha bem mais cheio, mas ela nem percebeu a diferença. Já a irmã mais velha sabia exatamente o que estava acontecendo e sorria enquanto procurava espaço nos bolsos da calça e da blusa para esconder os doces.
A mãe percebeu a situação e, no caminho de volta para casa, perguntou à filha mais velha o que havia acontecido com as moedas da pequena Ana.
– Não aconteceu nada, mamãe – afirmava Kátia, balançando negativamente a cabeça.
– Ok, então. Vamos descobrir o que aconteceu – respondeu a mãe com os olhar fixo na filha, que já colocava o primeiro doce de abóbora na boca.
No restante da caminhada, a garota agia normalmente, como se o fato de ter as mãos e bolsos cheios fosse algo comum para ela.
Ana e Kátia não perderam tempo, porque no início da noite as balas já tinham acabado. O que havia no lugar das guloseimas era uma garotinha com o semblante de dor, o olhinho cheio de lágrimas e as mãos apertando a própria barriga.
– Ai, ai! Minha barriga está doendo muito, mamãe! – soluçava Kátia.
– Que estranho, filha! Aparentemente, você não comeu nada além do normal. Não é mesmo?
Dessa vez, a mãe fixou seu olhar nos olhinhos lacrimejantes da filha. A face da mamãe misturava ternura e ironia, ingredientes suficientes para exigir uma última explicação a respeito do que estava acontecendo.
– Ah, mamãe. Eu comi muitos doces, sim. Sabe, eu troquei minhas moedas com as da Ana e consegui comprar mais doces que ela. Achei que ia sair ganhando, mas agora eu preferia ficar sem ter nem um dos doces – contava a filha enquanto soluçava por causa do choro e comprimia a barriga na tentativa de aliviar a dor no estômago.
– Filha, hoje você tentou negociar mais do que moedinhas. Você tentou trocar valores da honestidade e da verdade por alguns pedaços de metal. Essa troca nunca vale a pena, porque nossos princípios não podem ser vendidos. Além disso, se você tentar negociá-los, o resultado sempre vai trazer dor.
– Sinto muito, mamãe. Não vou mais fazer isso. Mas, eu ainda consigo recuperar minha honestidade? – perguntou a filha com um olhar triste.
– Consegue, sim. Pense em uma maneira de se desculpar e não troque novamente seus princípios. Agora vamos tratar dessa barriguinha.
Na semana seguinte, Kátia pegou sua parte das moedas oferecidas pelo tio e foi com a mamãe até uma loja de brinquedos. Lá, a garota pediu à mãe que comprasse para Ana uma linda boneca e ofereceu todas as suas moedas para ajudar na compra. A mamãe completou o valor do presente e Kátia deu a bonequinha à irmã. Aquela era uma maneira singela de pedir desculpas e de se lembrar que a honestidade vale muito mais que todos os doces do mundo.
Texto: Raquel Derevecki