Era recreio. A professora Celeste foi até a sala de aula e encontrou Samuel sentado, lendo, com uma expressão de chateação. Já era a segunda vez que a professora o encontrava naquela situação.
– Ei, Samuca. Vá brincar com os outros meninos. Aproveite o recreio.
Samuel tirou os olhos do livro, mas não olhou para a professora.
– Ah… Vou ficar por aqui… descansando.
Dona Celeste se sentou ao lado do menino e segurou sua mão.
– Já é a segunda vez que você fica sentadinho aqui em vez de brincar lá fora, correndo com seus amigos. Quer me contar o que está acontecendo?
O menino começou a enrolar os dedos nos cabelos encaracolados, sinal de que estava ansioso. Olhou para a professora e falou com firmeza:
– Aí está o problema. Eu sou muito lento. O Gabriel é o grande corredor da sala. Ninguém o pega. Ele é ágil e esperto. Queria correr como ele, mas não consigo. É isso! Acho que sinto inveja da velocidade com que ele corre.
Os olhos escuros do garoto estavam marejados. Ele realmente estava aborrecido. A professora Celeste respirou fundo. Samuel era um menino alegre e todos gostavam dele, mas ela havia percebido durante a semana que algo não estava bem. Agora sabia o que era.
– E me diga quem mais corre rápido e é esperto como o Gabriel? – perguntou a professora em tom de desafio.
Samuel parou, pensou… pensou… E respondeu devagar:
– Hum… Na verdade, é só ele mesmo. Os outros também correm, mas ninguém é tão rápido.
Pelo sorriso, a professora parecia ter gostado da resposta.
– Entendi. E os outros meninos, apesar de não serem tão espertos, continuam brincando, se divertindo… Estranho, não é mesmo? Podiam se sentar e observar o Gabriel dar um show, correndo pra lá e pra cá.
Samuel nunca entendia se a professora estava sendo irônica ou se era sério mesmo. No fim da frase, ela piscou aqueles grandes olhos verdes. “Ah… É brincadeira!” pensou o garoto, que gostava muito de Dona Celeste.
– Mas não ia ter graça – disse Samuel, sorrindo.
– Claro que não. Os outros meninos gostam do desafio, da brincadeira, da amizade… Imagine se um dia, brincando de pega-pega, você consegue pegar o Gabriel. Ia ser demais, não ia?
Samuel imaginava e sorria.
A professora continuou:
– Samuca… Você é meu aluno mais amável. E, além de tudo, é inteligente. Vamos pensar juntos. O Felipe é um menino divertido, mas sabemos que ele não corre bem. Mesmo assim, ele tem uma habilidade. Você se lembra?
Samuel deu uma gargalhada e disse entre risos:
– Sim. Ele toca acordeão. A gente achou graça quando ele tocou no show de talentos da escola. Ele toca muito bem!
– Ele estuda muito para tocar tão bem. Vou lhe contar um segredo.
A professora aproximou sua cadeira da carteira de Samuel.
– Eu pinto quadros, sabia? E dos bons.
O menino moreno riu. Já não enrolava os dedos nos cabelos.
– Minha mãe também pintava quadros quando era jovem. Ainda temos alguns em casa – falou o garoto com orgulho.
A professora continuou com o olhar fixo em Samuel.
– E você conhece a Beatriz? O que ela faz que a torna especial?
– Ela canta muito bem. Parece um passarinho – respondeu o menino.
– Vamos lembrar das habilidades dos nossos amigos da sala. A Laura escreve poemas e os interpreta de uma forma incrível…
– O Ricardinho é atleta. Ele nada de verdade. Treina todos os dias antes de vir para a aula. E não come qualquer coisa. Ele precisa manter o peso.
A professora deu um grito:
– Ah! E tem outro menino talentoso aqui na turma… Ele se chama Samuel. Você o conhece? Sabe o que ele faz bem?
– Ah! Eu só desenho – respondeu o menino, corado.
A professora interrompeu:
– Não, você desenha muuuito bem.
O garoto não disse nada, mas sabia que todos o admiravam pela sua habilidade com o lápis.
A professora foi se levantando e dizendo:
– Samuca, o mundo é diverso e colorido. As pessoas são diferentes. Deus dá capacidade, criatividade e talento a todos. Temos muitas classes de pessoas: os músicos, os professores, os desenhistas, como você… São tantas habilidades! E, em cada grupo, há subgrupos. Nem todo músico é igual… Uns cantam, outros tocam piano, alguns tocam flauta… e até acordeão.
Samuel deu um sorriso iluminado.
– Na nossa turma, há vários talentos diferentes. Mas a Beatriz não passa o recreio cantando, a Laura não fica o tempo todo declamando poemas, o Ricardinho não nada o tempo inteiro e o Felipe não passa o recreio tocando. Estão todos juntos, brincando de várias coisas.
O menino estava compreendendo.
– Para ser bom em alguma coisa, tem que ter inclinação e estudar muito – a professora foi encerrando. – Mas, para brincar, basta criatividade e amigos.
– Eu tenho as duas coisas: criatividade e amigos – falou Samuel.
E a professora completou:
– E quatro minutos de recreio. Dá para fazer alguma coisa em quatro minutos?
Samuel piscou para professora e gritou, enquanto corria:
– Se tiver criatividade, dá sim.
A professora Celeste sorriu. Ver seus alunos felizes fazia com que ela se sentisse no Céu.
Texto: Vanessa Raquel