Quem convive com Mariana gosta dela. Na escola, termina a tarefa primeiro e ajuda os colegas. Na família, é a menina responsável em quem todos confiam. Mariana não mente, não fala palavras feias, é generosa e educada. Sempre pede “Por favor” e agradece: “Obrigada!”
Mas, até pouco tempo atrás, havia um segredo, algo que Mariana não ousava dizer e, na verdade, não entendia muito bem.
Sempre que havia um trabalho em grupo e alguém sugeria: “Podemos fazer em sua casa, Mari?”, a menina ficava muda ou dizia secamente:
– Não! Desculpem-me.
No dia do aniversário da menina, o irmão mais velho propôs:
– Que tal convidar uns amigos para vir aqui em casa e comemorar?
A garota empalideceu:
– Acho melhor não. Vamos ficar só em família mesmo.
Mariana não gostava que seus amigos fossem à sua casa. E, quando havia reunião de pais e professores na escola, ela sempre “se esquecia” de entregar o comunicado aos pais.
Bom, acho que você está entendendo. Mariana não queria que seus amigos fossem à sua casa nem que seus pais fossem à escola. Ela nem pensava no assunto, até que um dia foi forçada a isso.
Na escola, aconteceria a Feira das Profissões. Os alunos do Ensino Médio montariam barracas para apresentar a atividade de cada profissional. E estavam atrás de todo o tipo de profissionais. Dois meninos altos, com o rosto um pouco avermelhado por espinhas, entraram desengonçadamente na sala da Mariana:
– Será que os pais de vocês podem nos ajudar? O que seu pai faz? – e apontaram para Felipe.
– Ele é dentista. Por quê?
E os adolescentes iam explicando o que o pai ou a mãe de cada um poderia fazer para ajudar na Feira. Haveria espaço para todo tipo de profissão.
– Ei, Mariana, será que sua mãe pode nos ajudar?
Mariana ficou corada, se levantou e… correu. Só parou quando encontrou uma sala vazia.
Ela entrou, sentou-se numa cadeira sem encosto e ficou ali, pensando no que fazer. Seu pai era marceneiro e a mãe fazia artesanato para vender em casa, e também era costureira. Eles não tinham diploma. Eram pessoas muito simples. Mariana tinha vergonha da família e da casa em que morava, porque não era tão bonita quanto a de seus amigos. Mas Mariana também tinha vergonha de sentir vergonha disso. Ela sabia que o pai era um excelente marceneiro e a mãe, uma artesã e costureira muito caprichosa. Ela estava tão confusa!
Naquele momento, uma zeladora muito querida passava por ali. Tia Delci conhecia Mari desde que era bebê. Elas eram vizinhas.
Pelo vidro, Tia Delci viu a pequena vizinha chorando sozinha na sala. Ela se aproximou e afagou os cabelos dourados de Mariana.
– Tia Delci, desculpe-me – disse a menina, enxugando as lágrimas. – Já estou voltando para a sala.
Mariana abraçou a vizinha por alguns segundos. Chorou mais um pouco. E depois perguntou:
– Tia, você já sentiu vergonha de alguém que amava muito? De uma amiga… De um…
Tia Delci a interrompeu:
– Do meu pai! Ele era muito engraçado. Fazia piadas com tudo. Zombava dos meus amigos, ria deles – a mulher deu uma gargalhada bem fininha. – Mas isso me embaraçava. Eu pensava que pai tinha que ser alto, sério… E, pobre do meu pai… nem era alto.
– Tia… É que eu tenho vergonha da minha família. Alguns alunos estão na minha sala procurando profissionais para a Feira e… minha mãe não tem uma profissão – e Mariana ia falando de maneira atropelada.
Os olhos de Delci se arregalaram.
– Como assim? Sua mãe é artesã. Quando éramos jovens, ela sonhava em ser professora. Mas ela logo se casou. Todas nós morremos de inveja, porque ela foi a primeira moça da rua a se casar e a ter um filho. Foi por isso que ela não continuou os estudos.
Mariana estava entendendo.
– Mamãe não estudou por causa da gente?
– Ela precisava escolher. Ou estudava ou cuidava da família. Ela decidiu ser a melhor mãe que pudesse e, no lugar de sair de casa para fazer qualquer coisa, resolveu fazer um trabalho em casa para cuidar de vocês.
Tia Delci continuou:
– E ela fez um bom trabalho. Vocês são educados, estudiosos. Você devia se orgulhar dela. Poucas pessoas são tão habilidosas e dedicadas como sua mãe.
Tia Delci puxou Mariana pela mão até um lugar em que ela pudesse se ajeitar. Enquanto lavava o rosto, Mari se lembrava da mãe. Pensava em seu sacrifício para que os filhos estudassem ali, naquela escola. Não havia motivo para embaraço. Mari ia mudar de atitude.
No dia da Feira de Profissões, a escola estava cheia, mas Mariana só conseguia ver uma pessoa: a mamãe falando do trabalho que fazia.
Texto: Vanessa Meira
Ilustração: Ilustra Cartoon