O menino fujão conhecia muito bem o parque, as ruas, as rodovias, a rodoviária, as cidades vizinhas à sua. A casa abrigo era sua casa, onde morou por muito tempo. O banco da praça central era seu colchão; os terrenos baldios, seu quintal. Tinha conhecimento de todas as picadas abertas pela mata fechada, onde um dia construiu uma cabaninha para receber seus amigos de fuga. Caminhava pelas madrugadas como se fosse dia ensolarado. Na casa dos amigos ia ficando e recebendo comida, pouso e carinho. Pedia, sem nenhuma vergonha, lanches nos carrinhos de cachorro-quente pra saciar a fome tamanha. Era carismático, sociável, simpático. Sensibilizava os pais dos amigos dizendo que não tinha pais, mas era mentira, tinha! Possuía uma mãe presente. O pai saíra de casa abandonando o menino ainda criança. Hoje, com 14 anos, evita falar o nome do genitor fujão. O pai fugiu, Iago também foge. Tudo igual: vingou-se com a mesma moeda e exemplo!
Tinha caráter, brio de gente grande, mesmo com pouca idade e não desejava seguir o exemplo do pai, mas quando o menino resolvia voltar para casa ganhava como herança uma responsabilidade ainda maior. Mesmo não tendo que trabalhar para sustentar a família, era o único homem da casa, o irmão mais velho das duas irmãs Lívia e Flávia e não sabia como encarar o problema tão precocemente. O remédio era fugir ao invés de assumir…
A carga psicológica era pesada demais para o filho de Dona Mara. Por isso, não tinha parada! Dizia ele que não sabia por que agia assim. Dava “uma coisa” na cabeça e saía por aí, sem rumo. Só voltava para casa quando encontrado por populares ou por membros do Conselho Tutelar. No seu retorno, retomava a rotina de ir à escola, ao projeto social. Tudo prosseguia normalmente, até a próxima fuga!
Foi quando a mãe teve a ideia de acompanhar o filho em suas peregrinações. Aonde ele ia, ela estava lá. Os dois sempre juntos. Uma gestação às avessas: levara o filho na barriga para onde quisesse por nove meses. Agora era ele quem ditava o caminho que ela devia seguir. Só Deus sabia por mais quanto tempo…
Mas de tanto caminhar com a mãe, Iago foi se cansando de ser vigiado; era mais legal sair sozinho, sem dar satisfação pra ninguém, ainda mais para uma mãe, que tem sempre a mania de superproteger o filho. Queria mesmo era correr perigo…
Foi então que o menino perdeu o gosto de se aventurar pelos caminhos desconhecidos. Desiludido, resolveu voltar para enfim conhecer o único lugar que não havia explorado ainda: a sua casa!
Seu quarto outrora abandonado tanto quanto a família pelo pai, agora é o seu refúgio, como para qualquer menino na sua idade.
“Iago voltou!” Era a expressão de parentes e vizinhos. Cansado, resolveu se agarrar ao que sobrou de sua família. Hoje, não foge mais à procura do pai. agora viaja pelo mundo da fantasia ao desenhar todas as suas aventuras vividas durante as fugas do passado. Seu sonho é lançar um livro e presentear o pai com o primeiro exemplar, provando que não ficou nenhuma mágoa pelo abandono. Já tem um esboço do autógrafo que vai escrever no verso da capa:
Papai, este livro é para que conheça todos os caminhos que percorri na tentativa de encontrar o senhor. Só peço que não fuja mais, pois desejo viver as próximas aventuras da vida ao seu lado!
De seu filho, que o ama, Iago!