A aula já havia terminado, mas Dona Míriam havia pedido que Ciro permanecesse na sala. Eles precisavam conversar. Era o segundo ano do garoto na escola e ele tinha muita dificuldade para se relacionar com os outros alunos. Ficava sozinho a maior parte do tempo e, quando tinha oportunidade, reclamava dos colegas. Por isso, a professora começou falando sobre amizades.
– Você e o Rubens se sentam bem perto um do outro, mas percebo que vocês não são muito amigos…
– Não gosto dele. Ele se acha… só porque é riquinho, filhinho de papai. É muito exibido – criticou Ciro. – Não dá pra ser amigo de uma pessoa assim.
– Exibido? Não! – contestou a professora. – Ele é alegre, ele gosta de participar das aulas. É só isso! Mas tem também a Alexandra, que se senta ali por perto…
Ciro fez uma careta e respondeu:
– Ih! Aquela tem o rei na barriga.
– Será? O que eu vejo é ela ajudando outros alunos em suas lições, quando eles lhe pedem ajuda – argumentou Dona Míriam.
– Mas ela é muito chata, professora. Pode crer em mim.
– E o que você me diz do Luiz Henrique?
Ciro deu um sorrisinho de desdém.
– Fala sério! Aquele se acha o Superman da classe. Tudo bem que ele é forte, mas fica se mostrando. Deve ter só músculos. Inteligência, nada.
– Você sabia que na semana passada o Luiz Henrique se ofereceu para acompanhar duas meninas aqui da classe até em casa, porque elas estavam com medo de um homem estranho que viram na rua?
– E aposto como ele está se gabando disso também – disse o Ciro, num resmungo.
Dona Míriam sentiu que estava difícil falar sobre amizades com o Ciro.
– Nossa classe tem 30 alunos. Você não tem nem um amigo entre eles?
– Não!
– Não tem ninguém de quem goste?
– Um bando de gente fingida. Todo mundo é egoísta e orgulhoso. Não gosto de gente assim.
A professora ainda insistiu:
– Todo mundo só tem defeito? Ninguém tem alguma qualidade?
– Até tem gente com alguma qualidade, mas tem muita coisa ruim ainda.
Na sala, fez-se um pequeno silêncio, enquanto a professora estava pensativa e o Ciro olhava para o teto.
De repente, Dona Míriam se levantou e pediu que o garoto a acompanhasse. Juntos, foram à cantina. A professora pegou um pouco de açúcar cristal e foi para o pátio da escola. Ela juntou o açúcar a um pouco de areia e deixou a mistura perto de um formigueiro. Não demorou muito para as formigas descobrirem aquele açúcar. Elas logo fizeram uma carreira.
A professora então tirou uma lupa do bolso e entregou ao aluno, pedindo-lhe que visse bem de pertinho o que as formigas estavam fazendo.
– Elas estão carregando os grãos de açúcar – respondeu ele.
– E o que fazem com a areia? – a professora perguntou.
– Nada. Nem ligam para ela – disse o garoto.
A professora sorriu, pôs a mão no ombro de Ciro e falou:
– As pessoas são como montinhos de açúcar e areia. Elas têm coisas boas e coisas ruins. Por isso, devemos ser como as formigas e aproveitar apenas aquilo que as pessoas têm de melhor, deixando o que é mau para lá. Você acha que pode fazer isso?
Ciro entendeu a mensagem, baixou os olhos e confirmou apenas movimentando a cabeça. Ele achava que podia tentar.
Sueli Ferreira de Oliveira