Mentira!

Lúcia era uma menina muito engraçada. Vivia inventando histórias.

– Filha, onde você estava?

– Na Lua, mãe.

– Ah é? E o que tem lá?

– Nadinha. Parece um deserto! Mas lá mora uma menina chamada Luana.

Todos riam de suas histórias. Cada dia era uma invenção.

– Como foi na escola, filhota?

– Normal. A volta pra casa é que foi estranha. Viemos de nave espacial. Vi a Luana de longe e acenei. Pobrezinha! Não deve ser fácil morar sozinha naquele fim de mundo.

Às vezes, vinha correndo do quintal:

– Mãe, vi um passarinho e ele cantava em português.

A mãe ria:

– Que nada, filha! Você é que deve estar entendendo “passarinhês”.

Papai também ouvia:

– Pai, você sabia que à noite os animais falam? A Cindy, nossa gata, vive me incomodando com suas histórias sobre os vizinhos.

E o tempo foi passando…

Lucinha foi crescendo, e a criatividade foi crescendo junto. Isso começou a se tornar um problema. Ela continuava inventando histórias e, muitas vezes, a própria Lúcia começava a acreditar nelas.

Já não era mais uma garotinha inventando histórias divertidas. Era uma menina contando mentiras.

– Mas, mãe, é sério! A tia Ana comprou um barco. Eu a vi quando estava vindo da escola. De cima da ponte, pude ver quando ela estava navegando no rio.

Lúcia passava por uma ambulância e inventava uma história de um conhecido que havia sofrido um acidente. Se uma viatura da polícia passasse na rua, ela dizia que testemunhou um crime, uma briga… Bastava uma imagem, uma frase de alguém… E Lúcia criava o enredo da sua história.

Em casa, os pais estavam preocupados. Na escola, Lúcia ganhara um apelido: Lucinha mentirosa.

Um dia, o prefeito visitou a escola. Houve uma festa de recepção. Foi o maior agito: os alunos cantaram, teve encenações e o prefeito disse algumas palavras, elogiou a escola e todos foram comer um lanchinho especial.

Lúcia chegou em casa contando aos pais que o prefeito a havia chamado lá na frente e dado uma medalha por ser a aluna mais inteligente da escola.

– Ah é? E onde está a medalha? – perguntou o pai.

Ih! Ela ainda não tinha inventado essa parte da história.

– É… Então…

– Filha, o prefeito não foi à escola para homenagear ninguém. Ele foi lá para receber uma homenagem – disse o pai com firmeza.

Lúcia tentou:

– É… Eu sei… Mas…

Apesar de toda a criatividade, Lúcia estava enrolada com as palavras e fugiu para o quarto. A mãe deixou que a filha ficasse lá com seus pensamentos. No dia seguinte, que seria feriado, conversariam.

O dia amanheceu chuvoso. Lúcia gostava de feriados com chuva. Podia ficar na cama até mais tarde, papai e mamãe passavam o dia com ela.

A mãe entrou bem devagar no quarto e viu que a filha já estava acordada, olhando gotinhas de chuva batendo na janela.

– Bom-dia!

Mamãe trazia nas mãos um caderno grande encapado com tecido branco de bolinhas pretas e no centro da capa estava escrito com uma letra muito bonita: Os contos de Lucinha.

Lúcia olhou com curiosidade e mamãe tratou logo de explicar:

– Encapei para você. Sempre que você sentir a criatividade fervendo na cabeça, escreva uma historinha aqui. Vai ser seu livrinho de contos. Que tal?

Lúcia pulou da cama.

– Que máximo! Meu livro! Já tem até capa!

– Isso mesmo! Você não precisa botar freio em sua criatividade, mas também não pode continuar colocando as histórias dentro da vida real. Elas são engraçadas, mas não são verdadeiras, não aconteceram.

Daquela manhã em diante, a menina não largou mais o caderno. Vivia escrevendo. E o incrível: raramente inventava alguma mentirinha.

Na escola, ganhou um concurso de redação.

E, um dia, ouviu um dos colegas se referindo a ela como “Lúcia escritora”.

Ela chegou em casa e contou para a mãe que agora era “Lúcia escritora”.

A mãe sorriu satisfeita.

Lucinha estava radiante. Ela compreendeu que não precisava abrir mão da criatividade. Ali estava uma menina sorridente e esperta que sabia usar a imaginação para se divertir e divertir todos os amigos.

Quanto à mentira? Ah, dessa ela queria distância.

 

Texto: Vanessa Raquel
Ilustração: Ilustra Cartoon