Caderno, perigo e vontade de estudar

Amanheceu, tocou o despertador e a Rafaela se mexeu preguiçosamente na cama. Ela não queria abrir os olhos, não queria levantar nem ir à escola. Tudo o que ela queria era dormir mais um pouquinho.

– Ah, mãe, não! – reclamou, enquanto Dona Sílvia puxava lentamente o cobertor de cima da menina, fazendo menção de arrumar a cama.

Rafaela se arrastou para sair da cama, foi até a cozinha, tomou um copo de água, tomou o café da manhã e, preguiçosamente, escovou os dentes. Ela entrou no quarto para se trocar e juntar o material escolar, quando percebeu Dona Sílvia em pé, ao lado da porta.

Enquanto a filha vasculhava a gaveta atrás da camiseta do uniforme, a mãe avisou que ia contar como era a vida de Richa.

– Quem é Richa? – perguntou Rafaela.

– Uma garotinha de oito anos. Ela mora na Tanzânia, um país africano. Richa, a mãe, o padrasto e oito irmãos moram em uma casa no campo, quase um quilômetro distante da estrada.

Rafaela achou a camiseta e a vestiu.

– Mãe, você está inventando essa história?

– Não, é real!

E a mulher continuou contando.

– Todo dia, Richa enfrenta sozinha uma perigosa jornada de uma hora e meia para ir à escola.

– Uma hora e meia caminhando? Eu nunca faria isso.

– Que bom que o seu pai a leva à escola todos os dias, bem confortavelmente em nosso carro! Mas a Richa não tem essa sorte; ela tem que caminhar até a estrada e seguir pela terra. Os caminhões que passam por ela fazem a poeira levantar, e o calor castiga; mesmo assim, Richa continua. É perigoso, mas o outro caminho passa pelos trilhos de trem e é muito deserto. Não é seguro uma menina andar sozinha por ali. Alguns trechos do caminho passam por lugares cheios de pedras e arbustos secos. Eles arranham e machucam as pernas. Outros perigos estão à espreita: cobras prontas para dar o bote, escorpiões que se escondem pela vegetação rasteira…

Rafaela estava diante do espelho penteando os cabelos enquanto a mãe falava:

– Ao chegar à escola, o uniforme de Richa quase sempre está muito sujo, mas ela tem que ficar com ele. Não tem outro. É preciso ficar assim durante toda a aula. Depois, Richa precisa voltar para casa, passando pelos mesmos caminhos da ida e gastando outra hora e meia no trajeto.

– Não acredito que ela goste disso! – comentou Rafaela.

– E não gosta mesmo – respondeu a mãe. – Ela diz que não gosta da jornada e, às vezes, tem medo, mas está disposta a fazer o que for necessário para frequentar as aulas e, um dia, se tornar uma professora.

– Mãe, essa história não é de verdade! – Rafaela insistiu.

Dona Sílvia foi à sala e voltou trazendo uma revista, mostrando que a história era verídica. Havia até algumas fotos de Richa.

– Filha – concluiu a mãe –, você tem uma excelente oportunidade de estudo. Aproveite!

Dona Sílvia beijou a filha e saiu do quarto. Rafaela pegou os cadernos e enfiou-os na mochila. Já estava na porta do quarto e voltou para pegar a revista com a história de Richa. Por que não conhecer melhor a vida dessa garota? Rafaela correu para a garagem, onde o pai a esperava, com o motor do carro ligado. Que privilégio não ter que andar uma hora e meia para ir à escola!

Texto: Sueli Ferreira de Oliveira