Insatisfeito, Felipe entregou a tinta para o menino bochechudo e sardento. Era melhor assim! Pedrinho já estava começando a ficar vermelho. Esse era o primeiro sinal de transformação. Pedrinho, o menino engraçado e brincalhão, aos poucos, se transformava num feroz animal da selva africana. Bastava ser contrariado.
Quando estava no segundo ano, jogou um estojo com lápis, borracha, apontador e tesoura para o alto, gritando e empurrando todos os que estavam por perto. O pior é que ele nem se lembra do motivo, de tão bobo que era.
Pedrinho era extrovertido, gostava de brincar com os amigos, pondo apelido em todos; a turma se divertia. Mas, quando alguém resolvia pôr um apelido nele, era melhor sair de perto… Sobravam sopapos e pontapés.
Depois, Pedrinho fingia que nada tinha acontecido. E a turma também. Ninguém tocava no assunto, até que, um dia, faltando dez minutos para o fim da aula, a professora deu o aviso sorrindo:
– Podem guardar o material. Vamos orar. Vou deixar vocês saírem mais cedo para brincar lá fora.
Foi uma festa! A professora abriu a porta e se despediu de cada um com um beijo na testa. Na vez de Pedrinho:
– Espere só um pouquinho. Pode se sentar. Preciso falar com você.
Em poucos minutos, só restavam a professora e o Pedrinho, frente a frente.
– Quero contar a você uma história da Bíblia. Sei que você gosta das histórias bíblicas que eu conto.
– Tem luta? Gosto do Velho Testamento por causa das guerras.
A professora sorriu e continuou:
– Jesus tinha um amigo muito especial. Eles eram tão amigos que, um dia, quando Jesus contou que seria preso e iria morrer numa cruz para salvar o mundo inteiro, esse amigo dEle ficou bravo e disse que isso não aconteceria de jeito nenhum.
– Mas, se era profecia, tinha que se cumprir, não é, professora? Tudo o que Deus fala se cumpre.
Pedrinho estava prestando atenção. Ele realmente gostava de ouvir histórias.
– Então… Mas, exatamente no dia em que os soldados foram prender Jesus, esse amigo puxou a espada e, zupt!, cortou a orelha de um soldado. Olhe que loucura!
Pedrinho soltou uma gargalhada.
– Que doido! Cortar a orelha do soldado; onde já se viu?
A professora percebeu que Pedrinho estava entendendo tudo e continuou:
– Ainda bem que Jesus colocou a orelha do soldado no lugar. Esse amigo de Jesus era um dos discípulos. Você sabe qual deles era?
Pedrinho, em dúvida, confessou:
– Ah, professora. Ainda não consegui decorar os nomes dos discípulos. Na verdade, a única lista de nomes que sei de cor é a da seleção brasileira de futebol. É meu esporte favorito.
– Não tem problema. Eu lhe conto. Ele era sincero, o problema é que também era impulsivo; falava o que vinha à mente. Primeiro, sacava a espada, para depois pensar no que havia feito. Ainda não tinha aprendido a se controlar.
– É… Eu me lembro da aula sobre domínio próprio. Senti vergonha por causa do meu jeito.
– Sim. E é por isso que estou contando a você a história de Pedro?
– Pedro? – o menino deu um pulo da cadeira.
– Exatamente! Você e o discípulo de Jesus têm muito em comum. Inclusive o nome.
– Ah… Mas eu nunca cortei a orelha de ninguém… E nem tenho uma espada – Pedrinho arriscou uma piadinha.
– Mas algumas atitudes ferem tanto quanto uma espada afiada – retrucou a professora Nina com voz grave.
Pedrinho saiu da sala pensando na história, nos últimos empurrões e gritos. Entrou no carro da mãe e foi para casa.
Naquela noite, ele demorou a dormir.
No dia seguinte, na primeira aula, a professora Nina contou a história de um discípulo incrível; seu nome era Pedro: um homem corajoso, cheio de energia, que andou sobre as águas e fez grandes coisas em nome de Jesus.
Pedrinho ficou confuso. Não parecia o mesmo da história do dia anterior. E, no fim da aula, cochichou para a professora:
– Esse não parece o mesmo discípulo de ontem, aquele bem maluco que cortou a orelha de um soldado.
A professora fez aquela cara de quem acabou de acertar um número no bingo.
– É isso aí, Pedrinho! Ele se tornou um novo homem. Um milagre muito especial aconteceu com ele. Mudou a rota da vida. Deixou que Deus lhe mostrasse o que dizer, o que fazer, o que falar…
Naquele dia, o menino sardento se esforçou ao máximo para continuar amigável. Afinal, era assim que todos gostavam dele. E, quando um colega passou correndo e puxou o boné de Pedrinho, ele parou e ficou pensativo.
A vontade de ir atrás do colega e agir com violência passou. Então Pedrinho correu sorrindo, tentando alcançar seu boné.
Vanessa Raquel