Naqueles tempos, a diversão da garotada era achar um lugar sossegado, longe de carros e fios elétricos, onde todos pudessem soltar pipa à vontade. Havia uma praça ideal para isso. Com poucas árvores e muito gramado, ela era a preferida para esse tipo de atividade. Entre as poucas árvores, havia alguns bancos, e um bebedouro no canto da praça garantia que ninguém ficaria com sede por ali. Era perfeito!
Naquele dia claro e sem nuvens, toda a turma estava na praça. O céu estava coalhadinho de pipas de todas as cores e formatos. Em terra, a meninada dava linha para fazer suas pipas irem cada vez mais alto. Sílvio era um deles.
Depois de passar muito tempo correndo de um lado para o outro, de olhos atentos à sua pipa, ele de repente começou a sentir que precisava ir ao banheiro. Que banheiro? Não havia nenhum por ali.
“Dá pra segurar!”, pensou ele, e continuou na praça.
Depois de alguns minutos, Sílvio percebeu que não dava para esperar e olhou ao redor. Não havia aonde pudesse ir. Ele estava muito longe de casa. Por que não tinham mandado construir um banheiro público naquela praça? Ele não entendia. E a situação foi ficando cada vez pior!
Ainda segurando o carretel, ele procurou um dos bancos e se sentou, para ver se aquela vontade passava. Não passou! Em vez disso, e com desespero, ele começou a sentir que seu calção estava ficando molhado. Logo, uma pequena poça se formou no chão. Ela só não ficou mais aparente porque o chão tinha uma inclinação para trás do banco, onde havia apenas gramado. Por ali, aquele líquido todo penetrou na terra.
Ele não sabia o que fazer. Se se levantasse, todos o veriam molhado. Que vergonha! Mas ele também não podia ficar ali a vida toda.
Com cuidado, Sílvio rodou o carretel e recolheu a pipa, deixando-a ao lado, no banco. De longe, ele sorria para os amigos, agindo como se nada tivesse acontecido e ele estivesse ali apenas para descansar.
Mas, antes que ele pudesse se dar conta ou fazer algo para impedir, percebeu que Sabrina, a garota da pipa roxa, também tinha recolhido seu brinquedo e estava indo em sua direção.
“Fique calmo! Fique calmo! Fique calmo!”, repetia ele, em pensamento, tentando se controlar.
Rapidamente, ele pegou a pipa e colocou-a no próprio colo.
– Posso me sentar aqui? – perguntou a garota.
Sílvio apenas fez que sim com a cabeça.
A garota sentou-se ao lado dele e começou a falar sobre várias coisas: como tinha feito sua pipa, como o dia estava bonito mas ela achava que estava muito quente, como aquela praça era legal… Mas o garoto dava respostas curtas, não parecia dar muita atenção. Por isso, Sabrina logo se levantou e foi embora.
– Ufa! – suspirou Sílvio, aliviado.
Mas aí ele viu algo que chamou sua atenção. A mesma Sabrina estava perto do bebedouro, enchendo a mão de água. De repente, ela deu um grito:
– Guerrinha de água!
Ninguém falava em economizar água naquela época, e todo mundo começou a jogar água em todo mundo. Sobrou água até para o Sílvio, que ficou encharcado da cabeça aos pés!
No fim dessa brincadeira molhada, a garotada estava cansada de tanto correr para fugir e para tentar acertar os outros com água. Mas todos sorriam! Até o Sílvio!
Quando todos se despediram para ir para casa, Sabrina passou pelo Sílvio, que já estava ao lado de outros garotos. Ela estava sorrindo e deu uma piscadinha para ele.
– Você sabia o tempo todo? – ele sussurou para ela.
– Já aconteceu comigo! – ela sussurrou para ele.
Naquela tarde, Sílvio voltou para casa agradecido por ter encontrado alguém que, em vez de fazê-lo passar vergonha, decidiu socorrê-lo em um momento de apuro!